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Minha Pintura

PINTURA

É extremamente difícil, para mim, falar ou escrever sobre minha pintura, porque me incluo entre aqueles que acreditam que a arte tem linguagens, vocabulários, construções, vozes e timbres diferentes daqueles de uso das conhecidas línguas faladas ou escritas. Ou seja, um quadro deve ter sustentação própria, sem necessidade de muletas literárias que o escorem ou expliquem. De fato, a arte é resultado intuitivo, mais que produto sensitivo-intelectivo. Ademais, "a arte é rigorosamente uma questão de experiência, e não de princípios" (Clement Greenberg).

Com a descoberta da realidade energética, dinâmica, ativa (a matéria como energia congelada, "frozen energy", no dizer de Einstein), morreu o materialismo do século passado, teve fim o dualismo entre matéria e energia, enterrou-se o inerte, o passivo, o estático. A arte também procurou energizar-se, seja aspirando pelo exaltado e buscando relação com as emoções absolutas (Barnett Newman), seja procurando surpreender e ser instigante através do extraordinário, do paroxismo, do êxtase total (Michel Tapié), seja pelo trabalho do artista através do gesto inconsciente ou do impulso (David Smith, Jackson Pollock), apenas para citar alguns exemplos.

O artista do caos, esse artista do tumultuado e complexo século XX, deitou abaixo a obra de seus antepassados, cortou pela base o que a tradição edificou. Embora com o risco de momentâneo declínio ou degenerescência (depois de romper o vínculo com o passado, a arte torna-se um vir-a-ser, o que levou Ortega y Gasset a afirmar que "a arte atual é aquela que não existe"), esse abandono das tradições dos séculos passados e dos fundamentos espirituais sobre os quais a arte cresceu constituiu-se em processo necessário de demolição para possibilitar a edificação de um novo prédio, que se encontra em tumultuoso processo de gestação.

Como será o novo edifício? Vejo a arte sempre sustentada pela qualidade estética, mesmo que esta seja percebida ou entendida de formas e direções diferentes, na procura de expressar nossos sonhos, imaginação, cabeça e coração. Não seria a qualidade estética aquela singularidade, aquela essência ("essentia est id quo res est id quod est" - essência é aquilo pelo qual a coisa é aquilo que é) só possuída (ou pretendida) pelo objeto de arte, aquela inesgotabilidade, aquela estranha presença que se impõe a cada ato de contemplação, aquela aura, assim denominada por Walter Benjamin?

René Huyghe foi feliz em afirmar que "pela arte, o que está na alma toma uma forma, torna-se uma realidade visível; pela arte, a realidade visível, até então exclusivamente física, toma um sentido humano, adquire uma alma. Maravilhoso e fecundo intercâmbio donde nasce uma terceira realidade, que é simultaneamente o homem e o mundo, que participa de ambos e os une, levando-os, ao mesmo tempo, a um grau superior da existência, o da beleza.”

O conhecimento sensitivo-intelectivo da verdade (verdade como harmonia entre o pensamento subjetivo e a realidade objetiva) não tem sido suficiente, por ser analítico, sucessivo, parcelado. Os sentidos percebem a multiplicidade, as aparências e a existência de entidades concretas e individuais do mundo exterior, como o ovo e a galinha. Já a inteligência descobre o nexo lógico, causal e abstrato entre tais entidades, que um ser é causa de outro ser, que o segundo deve sua existência ao primeiro ou vice-versa. Há que se lhe acrescentar o conhecimento intuitivo, sintético, instantâneo, simultâneo, total, já que a arte tem de ir mair longe que a simples relação de causa-efeito entre as coisas concretas da natureza, tem de transcender essa pseudo-realidade pela intuição do artista, que é mais mágica que a magia, mais maravilhosa do que o sonho.

Em minha pintura, procuro usar predominantemente a intuição, ora um tentar de gestos e impulsos, ora pequenas interferências conscientes ou correções, até que as formas me atraiam ou me impressionem e goste ou me emocione com o resultado, este raramente planejado ou previsto em detalhe. Na maioria dos casos, apenas sumariamente posso antever ou prever o esquema básico de valores tonais e de cores (se as áreas negativas serão claras ou escuras ou em meio tom, se as áreas positivas serão desenvolvidas em claro ou escuro, se predominarão os vermelhos, os azuis ou os amarelos, se as cores serão chapadas ou não, frias ou quentes, mais ou menos saturação, etc.). Entretanto, quase sempre esses esquemas são alterados durante o trabalho.

Permanentemente, no curso da execução e no final, estou a fazer avaliações relativas à qualidade estética do que está surgindo ou surgiu na tela: harmonia, equilíbrio, movimento, unidade, singularidade, qualidade, impacto, beleza, conformidade com meu eu interior, meu mundo, meu país, etc. Para tais avaliações, acredito que "o gosto é o melhor juiz" (Cézanne), apesar de ser o gosto, nas palavras de Gillo Dorfles, essa indefinível categoria estética, mutável e incerta, que se transforma e varia, não regida por leis e cujos enganos não sabemos desvendar. O artista termina a obra quando dela gosta, dentro de seu padrão cultural e individual de gosto, quando encontra formas que o impressionam ou o atraem esteticamente.

Em regra não tenho preocupação preliminar com o conteúdo do trabalho e, mesmo durante a execução, raramente interpreto conteúdos. Geralmente, somente depois de concluído o trabalho é que procuro interpretar aquelas formas que se originaram e que por razões desconhecidas me atraíram. Por exemplo, no tocante a uma série que designei de Paisagens Intuídas, integrantes de dossiê pré-selecionado para o XIII Salão Nacional de Artes Plásticas - IBAC, predominavam formas orgânicas de pedras ou tótens indígenos de um intuído mundo mineral. Ali, preferi enfatizar a calma ou descanso (o mundo mineral é o que aparentemente não é dotado de movimento) ou ordem no caos, mas procurando deixar entrever esse caos. Ao pintar tais quadros, estava a pensar que é mais importante a suposta unidade central, a harmonia e o monismo da energia cósmica, que seu aspecto dinâmico e de múltiplas manifestações e transformações periféricas. Acredito que esse pensamento, de uma forma ou de outra, acabou sendo refletido ou vislumbrado nos quadros integrantes da série.

Quase nenhuma preocupação consciente tenho com o conteúdo abstrato ou figurativo do quadro (para mim tanto faz). Pretendo que meus trabalhos emocionem esteticamente o espectador, embora tenha ciência de que cada qual é um mundo individual complexo e diferenciado dos demais, que perceberá ou se emocionará com o quadro de forma diferente daquela de quem lhe deu existência. Mas pinto com essa finalidade: atinjo o objetivo sempre que produzo um quadro que ajude alguém a sonhar, a ter prazer, a se emocionar.

Também, pinto com um motivo, um impulso que só explico pelo fato de que não experimentei viver sem pintar.

Brasília, outubro de 1993
(Do meu Projeto de Diplomação - UnB)


 
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