Tempo e Custo - Advocacia, Pintura & Xadrez

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Tempo e Custo

ADVOCACIA



Honorários advocatícios e tempo despendido pelo advogado.


Tema de grande complexidade é aquele ligado à cobrança correta dos honorários, já que diversos fatores estão em jogo, além dos aspectos éticos da própria profissão, porque a advocacia, antes de ser profissão liberal, é serviço público auxiliar da justiça.

"No cálculo do que se deve ao patrono de uma causa três elementos hão de concorrer: as dificuldades do pleito; os recursos do cliente; o valor da demanda" (Ruy Barbosa).

Entretanto, o tempo despendido pelo advogado a serviço de seu cliente assume especial importância nesse tema de cobrança de honorários. Não podemos tirar a razão de Reginald H. Smith quando afirma que a mercadoria que o advogado vende é tempo.





"Law Office Organization",  de R. H. Smith.


Em artigos publicados no American Bar Association Journal de maio, junho, julho e agosto de 1940, Reginald Heber Smith, do Boston Bar, apresentou um trabalho de magnífico conteúdo, ainda revestido de grande atualidade, denominado Law Office Organization, pregando, com toda a razão, que o coração da organização advocatícia seria o que denominou de sistema de custo, o cost system.

Por temperamento, muitos advogados seriam fortes individualistas e instintivamente eles se manteriam longe de qualquer idéia de um sistema, temendo as implicações de uma série de regras e restrições.

"A afirmativa de que um escritório de advocacia precisa de um acurado sistema de contabilidade de custos parece revolucionária, mas se todo negócio deve conhecer seus custos, por que estaria a isso imune o escritório de advocacia?"

R. H. Smith propôs, portanto, na série de quatro artigos que escreveu para o Journal, um sistema "que esteve em operação por vinte anos e que funcionou razoavelmente bem", salientando que sua adoção proporcionou, ao seu escritório, os seguintes benefícios:

  • a eliminação do supérfluo economizou milhares de dólares;

  • os advogados foram capazes de produzir melhor trabalho naquilo em que realmente eram competentes;

  • a moral do grupo e o espírito de cooperação foram elevados a alto nível, porque os advogados acreditavam nas regras do sistema, desenvolvido por eles próprios;

  • o eterno problema da sociedade – como dividir os lucros de maneira justa entre os sócios – foi resolvido: nenhum sócio jamais abandonou a sociedade em troca de outra;

  • o controle de custo viabilizou obter lucro em casos em que normalmente se teria prejuízo;

  • a sociedade foi capaz de crescer de um pequeno grupo até constituir-se num grande empreendimento.


Alguns postulados básicos são colocados por Smith, antes de descrever o sistema adotado em sua organização, postulados que, por sua importância, são resumidos a seguir.

Tempo e especialização.


Inicialmente, salienta que a ESPECIALIZAÇÃO é a primeira chave para a eficiência máxima a um mínimo de custo, pois o serviço que o advogado presta depende de seu conhecimento e especialização profissional – mas a mercadoria que ele vende é TEMPO e ele tem apenas uma limitada soma desse tempo. Eficiência e economia: uma luta contra o tempo.  Um problema tributário pode ser resolvido por qualquer advogado em mais ou menos 10 horas, mas um especialista o resolverá em meia hora ou menos. "O cliente pode estar disposto a pagar por uma hora, mas não por dez."

Mas os clientes não procuram o advogado por causa de sua especialização em um dado campo: eles vão a um advogado porque geralmente o conhecem, gostam dele, confiam nele. E o advogado hesitará em mandá-lo para o especialista apropriado: ele não quererá perder um caso e possivelmente o cliente. "Self-preservation is here at cross-purposes with efficiency".

A organização em sociedade.


A forma de sociedade permite a um grupo de profissionais, cada um especializado em sua área, a reunião em uma organização. Assim, o cliente com o caso tributário que procura um sócio especializado em assunto de terras não precisa ser mandado para fora do escritório: o advogado pode levar o caso ao sócio especializado no assunto ou pode apresentar o cliente ao referido sócio.

É evidente que deverá haver um sistema que viabilize repartir os honorários a serem auferidos de uma maneira justa.  Quando todos sentem que o sistema funciona e que podem trabalhar como uma equipe, o máximo resultado é obtido, o trabalho é feito num tempo mínimo e os clientes são bem atendidos.

A localização do escritório de advocacia


A seguir, Smith recomenda que a localização do escritório deve estar próxima dos tribunais, de empresas governamentais, outros advogados, bancos e negócios em geral, sendo de fácil acesso aos clientes.

O registro de casos,  a "dayly time sheet" e aspectos organizacionais do escritório



Ao atender o cliente, o advogado deverá providenciar um registro do novo caso, com nome, endereço, telefone e qualificação do cliente e parte adversa, quando for a hipótese, com um breve resumo do assunto. O caso será registrado como "seu", ou seja, o advogado que recebeu o cliente será o "advogado responsável".

Mais tarde, designando-se o advogado que realizará o trabalho, seria aberta uma ficha, registro de caso, com o nome e endereço das partes, data de atendimento do cliente, advogado "responsável" e aqueles que trabalham no caso, e valor estimado. Cada advogado teria um conjunto dessas fichas em sua mesa, em ordem alfabética, mostrando todos os casos em que ele é o "responsável pelo negócio" ou por trabalho a ser realizado.

A partir daí Smith descreve a daily time sheet, um registro diário a ser feito por advogado, contendo o nome do cliente, o nome do caso, uma breve descrição do trabalho feito, de preferência padronizada, e o TEMPO despendido no trabalho realizado, em horas e décimos de hora. O total de tempo trabalhado para os clientes mais o total de tempo trabalhado para a organização (v. g. trabalhos administrativos) constituirão a produção total daquele advogado naquele dia.

Esses registros de tempo são diariamente contabilizados por advogado e por cliente.

O autor salienta que a organização existe para possibilitar a cada advogado a realização de seu melhor trabalho, para dar-lhe a informação que ele precisar e para deixar a empresa com conhecimento completo de onde está (situação da causa) e para onde está indo.

Destaque também é feito para o fato de que, numa firma, os sócios são a suprema autoridade, e que tal grupo é admirável para determinar políticas e estratégias de ação, mas não para implementá-las.  O trabalho num escritório de advocacia necessita de direção executiva, preferindo o autor que essa direção seja exercida por um dos sócios advogados, devendo o administrador marcar o tempo que despende com o escritório da mesma forma que qualquer outro advogado marca o tempo despendido com um cliente ou sua causa.

Continua o autor discorrendo sobre aspectos organizacionais da sociedade, relevando a importância da reunião semanal dos sócios e estagiários, com agenda adredemente preparada, contendo invariavelmente os assuntos distribuídos em 6 itens: temas organizacionais e administrativos; discussão da lista dos novos casos; aprovação das contas a serem encaminhadas aos clientes; problemas em geral; decisões; assuntos diversos.

São preparados dois relatórios mensais: o primeiro mostrando todas as receitas e despesas realizadas pela sociedade; o segundo, um balanço com todo o ativo de um lado (incluindo aí contas a receber) e passivo do outro (inclusive contas a pagar).

O sistema de custos

Em seqüência, Smith descreve seu "sistema de custo".


As retiradas dos sócios e os salários dos estagiários são denominados "despesas diretas"; os salários do pessoal leigo, aluguel, telefone, eletricidade, seguro, impostos, fundos de reserva para depreciação de equipamentos e todas as demais despesas do escritório são denominados de "despesas indiretas".  Dividindo o total anual previsto para as despesas diretas por aquele das despesas indiretas, no mesmo período, obtém o autor um percentual. Por exemplo, se as despesas diretas representam 50 mil dólares, e as indiretas também 50 mil dólares, a razão será de 100%. Isto significa que se um advogado tem retirada ou salário anual de 5 mil dólares, ele deverá carrear para a organização MAIS 5 mil dólares de receita, de forma a cobrir também as despesas indiretas, assim proporcionalmente divididas para cada qual.  O estagiário com 2 mil dólares de salário deverá carrear para a empresa mais 2 mil dólares (4 mil no total), etc.

"Testes provaram que isto é bastante preciso e preciso o bastante para empreendimentos práticos."

O advogado que ganha mais em regra gasta mais da organização, tem uma sala maior, gera mais trabalho, etc., sendo justa a distribuição.

As retiradas ou salários são fixados segundo os resultados auferidos no período anterior. Conhecida a cota de cada advogado, e sabendo-se o número de horas que se espera que ele produza, apura-se seu CUSTO POR HORA. O advogado com uma retirada anual de 5 mil dólares (e, portanto, com uma cota de 10 mil dólares), trabalhando (horas esperadas) 1.600 horas por ano, terá um custo de 10 mil dividido por 1.600, ou seja, 6.25 dólares por hora. Outro, mais velho, com retirada de 6 mil e cota de 12 mil dólares, produzindo 1.200 horas por ano, terá um custo-hora de 10 dólares.

Estabelecido o custo-hora de cada advogado, apura-se em conseqüência o custo de cada causa ou caso. Por exemplo, num caso em que o advogado de 6.25 a hora trabalhou 10 horas (custo de 62.50 dólares) e outro advogado de 10.00 dólares a hora trabalhou 1.1 hora (custo de 11.00 dólares), o custo total será de 73.50 dólares. O CUSTO. Mas a conta poderá e deverá ser mais do que isto, constituindo LUCRO o que for recebido a mais.

No caso acima, decidido um lucro na razão de 2:1, a conta seria de 75.50 x 2 = 147 dólares, valor que será rateado CONTABILMENTE (porque as retiradas mensais já foram fixadas adredemente) para cada advogado, da seguinte forma:

(1) rateio pelo trabalho feito (no caso, 62.50 para o advogado A e 11.00 para o advogado B;
(2) crédito pelo negócio, para o advogado "responsável" pelo negócio, digamos o advogado B, no valor do total da conta, 147 dólares;
(3) crédito por lucro (no caso, 62.50 para o advogado A e 11.00 para o advogado B.

E se o cliente não paga? Mantém-se o crédito pelo trabalho feito para os advogados que trabalharam no caso, item (1) acima e o valor total do CUSTO é, no mesmo item, debitado ao advogado "responsável" pelo negócio (debita-se 73.50 dólares ao advogado B) e é mantido o crédito do advogado A (apenas no item 1, acima); cancelam-se os lançamentos nos itens 2 e 3. Em resumo, o advogado que não era "responsável" fica apenas com o crédito pelo trabalho feito, 62.50, e o advogado "responsável" ficará com um débito (saldo), no mesmo item, de -62.50 (11.00 – 73.50).

Mensalmente são apresentados relatórios a cada advogado, com os totais (1) do mês corrente; (2) cumulativos do ano até a data; (3) para o mesmo mês do ano anterior; e (4) cumulativo para o mesmo período do ano anterior.

No ano fiscal, cada advogado saberá:

  • o que ele recebeu da firma (o somatório de suas retiradas MAIS seus respectivos créditos por LUCRO);

  • o que ele contribuiu para a empresa com seu trabalho (o total de seu crédito por trabalho feito, aí incluído o valor das horas trabalhadas para a organização);

  • o que ele carreou para a sociedade como negócio (o valor de seus créditos por negócio, nos casos por que foi "responsável");

  • sua contribuição como lucro para a empresa (somatório de seus créditos por LUCRO).


Esses valores deverão ser transformados em percentagens dos valores totais da organização.

Smith, então, sugere uma ponderação a ser feita sobre os percentuais assim obtidos, a saber: peso 6 para os créditos por trabalho feito, peso 3 para o crédito por negócio e peso 1 por lucro. Somam-se os totais obtidos para cada advogado e calcula-se a média (dividindo-se por 10), apurando-se como resultado, para cada advogado, expresso em percentagem, o VALOR PRODUZIDO por cada um. Os percentuais resultantes, valores produzidos, são comparados com aqueles dos valores recebidos, obtendo-se uma diferença A SER OBSERVADA NA FIXAÇÃO DE RETIRADAS E SALÁRIOS DO PRÓXIMO ANO.

Exemplificando, numa sociedade com 4 sócios, A, B, C e D:

SÓCIO

TRABALHO

NEGÓCIO

LUCRO

VR .PRODUZIDO

RETIRADA

DIFERENÇA

 

%

X6

%

X3

%

X1

%

: 10

%

%

A

50,0

300,0

40

120

40

40

460,0

46,00

40

+6,00

B

25,0

150,0

30

90

20

20

260,0

26,00

24

+2,00

C

18,7

112,2

20

60

30

30

202,2

20,22

20

+0,22

D

6,3

37,8

10

30

10

10

77,8

7,78

16

-8,22

 

100

600

100

300

100

100

1000

100

100

0,00


E Reginald Heber Smith termina, não sem antes acrescentar que "a exata maneira em que os princípios podem melhor ser adaptados às necessidades de um particular escritório deve ser por ele mesmo determinada."

Time & Billing


Como se pode depreender, o sistema resumido acima e bem mais detalhado no artigo original, atendia, já naquela época, aos requisitos que devem estar presentes num bom sistema de informação, resumidos na adequabilidade das informações geradas às decisões que objetivava viabilizar. Atendia a necessidades concretas, levava em conta o custo da informação, esta se fazia oportuna e correta, apenas nos aspectos relevantes, de forma comparativa, inteligível, suficiente, etc.

Quanto à tecnologia adotada, evidente que era aquela disponível na ocasião: formulários, fichários, arquivos, contabilização em máquinas de contabilidade, etc.

E não resta dúvida que o sistema adotado ainda continua em uso, com as particularidades inerentes a cada escritório, em outras sociedades de advogados, principalmente aquelas existentes nos Estados Unidos.

Em 1982, James A. Eidelman já fazia referência expressa a diversos aplicativos disponíveis para o LEGAL TIMEKEEPING AND BILLING ON MICROCOMPUTERS (
Artigo "Microcomputers In The Law Office", publicado na revista "Small Business Computers", setembro/outubro de 1982.), comentando:

"A law firm billing system is much different from systems for other professionals who bill for their TIME. Time is only one of eight factors layers take into account in rendering a bill. Billing arrangements can become very complicated, covering retainers, contingent fees, billing at the end of the case, MINIMUM FEES SET BY STATUTE, and FEES AWARDED BY THE COURT. Some clients expect a finely-detailed bill, while others are satisfied with a simple statement. Some firms like to carry a great deal of narrative with each time entry, while others are satisfied with a 60-character label. Most important, attorneys need the ability to receive a pre-billing report, in which they can adjust the amount of the bill, keeping track of "write-ups" and "write-downs". The needs of each firm are different; no software package will work in every firm. … It is interesting to note that, while many law firms who use computer billing software are not altogether happy with their systems, most of these firms experience billings increases of at least 10% after the installation of their billing software. Receipts typically increase even more, since clients are more likely to promptly pay bills that are rendered on time and in a regular manner – something most lawyers do not accomplish with manual systems."

O texto de Eidelman demonstrava, quando escrito (1982), a atualidade do sistema proposto por R. H. Smith e a tendência geral, naquele País, de se cobrar as contas em função do tempo demandado pela causa, muito embora o valor final deva ser conciliado com outros aspectos, como, no nosso caso brasileiro, as tabelas das Seções da Ordem dos Advogados ("minimum fees set by statute") e os honorários fixados em juízo ("fees awarded by the court").

Pesquisa feita em 2002 pelo Legal Technology Resource Center da American Bar Association (ABA) (
Cf. Relatório de Nadine C. Warner, Research Specialist, ABA/LTRC. A pesquisa está no site http://www.lawtechnology.org/surveys/home.html, acesso em 17/9/04). apontou que 75,6% de pequenas firmas de advogados usavam "Time and Billing" software; em menor intensidade, o mesmo ocorre com advogados que trabalham isoladamente (46,9%); 56% dos pequenos escritórios usavam "Time Entry" software, também usado por 33,1% dos que trabalham isoladamente. Em julho de 2003, cf.  pesquisa feita entre os leitores de Law Office Computing, a respeito dos pacotes de software mais usados em "legal technology" - site http://ww.worldox.com/about/pr_locwinner.html, acesso em 10/9/2004.- o programa mais utilizado nos Estados Unidos, na categoria "Case/Practice Management" era o "Time Matters", seguido pelo "Amicus Attorney". Na categoria Time & Billing, era o "Timeslips", seguido pelos programas "PCLaw" e "QuickBooks & TABS III").

Atual e perfeitamente adaptável para a realidade brasileira, o sistema de tempo/custo como base para a cobrança de honorários, para a tomada de decisões financeiras, para a partição justa dos lucros da sociedade de advogados, para a fixação de retiradas mensais adequadas por parte dos sócios e, claro, como instrumento gerencial da máxima importância, - pode e deve ser adotado na advocacia brasileira.

Ademais, o subsistema viabiliza importantes saídas de informações que deverão alimentar os demais subsistemas, o de contabilidade, o de contas a pagar e a receber, o de folha de pagamentos, e, em especial, as necessidades de planejamento, controle e avaliação de desempenho.

De fato, o quadro acima exposto constitui indicador de desempenho de grande importância para a fixação de objetivos/metas, especialmente nas áreas de resultados financeiros, de produtividade, eficiência e desenvolvimento do pessoal e de posição no mercado. Isto para a empresa, como um todo, e para objetivos alimentadores de cada um de seus componentes (advogados e estagiários).

É importante salientar que um sistema de custos pode ser operacionalizado também com um programa gerenciador de banco de dados. O uso de planilha eletrônica será útil, aqui, não só para apresentação de resultados, mas principalmente para o estudo de alternativas tipo "what if?" (como ocorre, por exemplo, no exame de alternativas orçamentárias).


 
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